Confesso que há muito tempo não ficava tão ansioso pra assistir a um filme como fiquei com “O Regresso”. Tanto que nem esperei o Carnaval terminar e, na terça-feira mesmo, já fui escolhendo uma sala vazia, um saco de pipoca bem grande, uma poltrona central, numa concentração total. Mesmo eu não procurando saber muita coisa sobre o filme antes de vê-lo, fugindo loucamente dos spoilers, soube que existe toda essa magia em torno do longa por mil motivos: a história é real; foram incríveis 12 indicações ao Oscar 2016; o papel pesado, sofrido e desafiador que Leonardo DiCaprio desempenha é surpreendente; e, claro, o diretor Alejandro G. Iñárritu – vencedor do Oscar do ano passado com “Birdman” – usa e abusa de recursos que só o seu detalhismo pode nos oferecer, como incríveis planos-sequência, cenas com exuberantes paisagens envoltas às tensões e às angústias humanas, além de ter o poder de deixar interessantíssima e nada lenta uma produção de duas horas e 36 minutos de duração, cujo protagonista fala muito pouco ou quase nada. Fim. Já me conquistou.
Bem, esse protagonista é Hugh Glass (Leonardo DiCaprio). Na bela região montanhosa no Noroeste do EUA, em 1822, em meio à selvageria entre colonos ingleses, franceses e indígenas em busca de peles de animais para venda, Glass sai com um grupo para caçar, mas é atacado violentamente por um urso. Seriamente ferido, ele é abandonado à própria sorte pelo antagonista John Fitzgerald (Tom Hardy), que ainda rouba seus pertences e mata seu filho. Com todas as adversidades, Glass consegue sobreviver e trava uma árdua jornada em busca de vingança. Incontáveis cenas de ação deixam claro que o personagem é um verdadeiro ser imortal. Mas, com a perfeição de Iñárritu, em nenhum momento você passa a duvidar daquele surrealismo. O tom intimista do diretor – com movimentos bruscos de câmera e, às vezes, tão perto do protagonista que chega a embaçar a lente – elevam a tensão em cena. Nunca vi tantos conjuntos de cena que dessem tanta agonia. E, dentro desse âmbito, DiCaprio se apresenta como a figura real para essa plenitude.
Em transe, sob o sussurro de seu antigo amor, uma indígena mãe de seu filho, morta por colonos no início do filme, ele segue seu martírio. “O vento não derrota uma árvore de raízes fortes”. Completamente ferido, sem fala e sem nenhuma condição de seguir viagem sozinho, quem dirá de lutar pela sobrevivência, ele continua buscando forças na vontade de se fazer justiça. “Se você olhar de perto, vai jurar que seus galhos são fracos. Mas se notar o tronco, verá a estabilidade dela”. Uma lição de moral que para muitos não funcionaria, para Glass, foi a injeção de forças necessária para superar todas as atrocidades. Entre cenas com paisagens nítidas e pores do sol encantadores – as filmagens foram feitas o tempo todo usando a luz natural, um exímio trabalho do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki, que pode render seu terceiro Oscar seguido, depois de “Gravidade” e “Birdman” –, o intenso personagem de DiCaprio pode e deve dar a ele, enfim, a sua primeira estatueta.
Seria injusto, após dez meses de gravações, enfrentando temperaturas baixíssimas, carregando um “casaco” de pele de urso que, molhado, chegava a pesar 50 kg – outro notável trabalho da figurinista Jacqueline West –, comendo fígado bovino cru em cena, mesmo sendo vegetariano, mergulhando de cabeça nas insanidades mais que realistas do diretor, se DiCaprio não levasse o maior e mais almejado prêmio de sua história. “A gravação de uma cena dura minutos, o filme é para sempre”, assim disse o ator quando questionado sobre os desafios aos quais se submeteu durante a produção do filme. E é assim, sob a perspectiva dessa frase, que você sai da sala de cinema, pensando: “É, Leo… Agora vai, mas, se não for, reflita comigo: se em uma tempestade, uma árvore não cai por causa de seu tronco e suas raízes fortes, não deixe que a falta de estabilidade dos seus galhos fracos e de suas folhas leves seja um peso em sua carreira. Uma simples semente se torna uma planta rara de uma floresta em poucos dias. Traduzindo, sem mais naturebas palavras, sem mais nenhuma metáfora: vencendo ou não, já estou insano esperando pra ver o seu próximo filme, mano!”.