
Imagine o meu estranhamento: eu, que nos últimos seis meses não estou comendo mais carne vermelha, tendo aderido ao semivegetarianismo, fui assistir a esse filme cult que me chocou tanto que quase levantei da poltrona e fui embora, enojado. Mas se tem uma coisa que faço com o cinema é me forçar até o final. Posso me surpreender para o bem ou me confirmar para o mal. Acabou que fiquei com a primeira opção.
Por mais incrível que possa parecer, estamos falando de um filme romântico. A história, como se pode imaginar, gira em torno de dois funcionários de um abatedouro de gado. Endre (Morcsányi Géza) é o silencioso e analítico diretor financeiro da empresa. Já a novata no ambiente, Mária (Alexandra Borbély), acaba de ocupar o cargo de inspetora de qualidade. Ele, que tem um braço paralisado e não possui muitos amigos, logo se interessa por ela, uma mulher fria, quase robótica, que não se aproxima de ninguém e ainda manifesta traços obsessivos-compulsivos.
Logo de início, imaginamos que eles têm em comum apenas essa profunda inadequação social. Mas não. A história de amor dos dois começou em um sonho, literalmente. Numa dualidade entre o dormir e o acordar, os protagonistas – que não se conhecem a fio e têm sonhos exatamente iguais – acabam se encontrando diariamente todas as noites nesse mundo paralelo de fantasia: ela se imagina como uma cerva, e ele como um veado, um casal animal silencioso numa paisagem coberta de neve. Mas, quando eles descobrem toda essa façanha inacreditável e tentam sair pra conversar, se encontrar de verdade, se envolver de verdade, a situação se mostra ainda mais complexa. Algo difícil de se explicar, algo árduo e incômodo de se ver.
Mas é claro, né?! Os dois personagens são bem incomuns e, definitivamente, não sabem amar. Mas está aí a grande questão: eles estão dispostos a aprender. É nítido que foram intensamente feridos na vida, mas se enxergam um no outro e na remota possibilidade de finalmente encontrarem o amor. E você acha que eu já esqueci dos animais sendo esquartejados no início do filme só por causa dessa fantasia lúdica do roteiro aí? Impossível! Por mais que a excêntrica trama tenha se desenvolvido para outro lado, minha mente insistiu em permanecer naquelas salas frias, insólitas… Não se apaga tão facilmente da cabeça um animal sendo degolado. A carnificina é bruta até mesmo para os sentimentos de quem só assiste.
Falando em sentimentos, li um texto na internet que falava que toda pessoa ferida e estranha está à espera de outra pessoa ferida e estranha. Endre possui um olhar meio psicopata, Mária aparece sorrindo em cena uma única vez. Eu acredito nessa história de imãs sensitivos, de que você atrai pessoas parecidas com você o tempo todo. Isso não é coisa de louco! É físico mesmo, compreensão de uma bizarra empatia, uma singular afinidade, uma extraordinária sintonia. Talvez por isso tenho selecionado tanto as pessoas a meu redor. Quem sabe um dia eu descubra um mundo peculiar em que os donos de açougues não existam, em que os todos os animais, sem exceção, simplesmente resistam.