Cacá Diegues acha tola a discussão sobre produções da Netflix competirem ou não em festivais
Lançada em Cannes, em maio passado, a polêmica entre o cinema e serviço streaming chegou ao Brasil com a exibição de “O Matador” na abertura da competição do 45º Festival de Gramado. Dirigido por Marcelo Galvão e produzido pela Netflix, o filme replica a discussão iniciada no tradicional festival francês, que colocou em disputa pela Palma de Ouro deste ano dois títulos encomendados pela plataforma, “Okja”, do sul-coreano Joon Ho, e “The Meyerowitz Stories”, do norte-americano Noah Baumbach.
À época, o cineasta espanhol Pedro Almodóvar, presidente do júri de Cannes, mostrou publicamente seu desconforto em avaliar produções não comprometidas com a exibição em salas comerciais. A organização do festival chegou a anunciar mudanças nas regras de seleção, avisando que, a partir do ano que vem, só escolherá títulos destinados ao lançamento em cinemas.
Presidente honorário do júri do Festival de Gramado deste ano, que termina no próximo sábado, o veterano diretor Cacá Diegues, 77, recusa o discurso do colega espanhol. Para ele, “um filme é um filme, não importa em que tela, bitola ou sistema ele passe”: “Os fundamentalistas da exibição em sala vão ter que se acostumar e se adaptar a isso. Ou, então, esconder seus filmes do público contemporâneo”, entende Diegues.
O brasileiro já passou por pressão parecida envolvendo plataformas e janelas de exibição para filmes, décadas atrás. “Essa discussão (entre cinema e streaming) é um pouco tola. Parece debate tardio e de sinal trocado de quando os filmes começaram a passar na televisão. Um dia, uma jornalista brasileira rancorosa ‘denunciou’ formalmente, junto à direção do Festival de Berlim, o fato de que meu filme ‘Dias Melhores Virão’, em competição naquele festival, em 1990, já tinha passado na TV do Brasil. Claro que não teve consequência alguma, ninguém ligou”.
Segundo o jornalista Marcos Santuário, co-curador, com o crítico Rubens Edwadl Filho, do Festival de Gramado, a seleção de “O Matador” para a competição foi uma forma de “trazer essa discussão para perto da gente, e sentir o que os atores deste processo estão pensando sobre o que se apresenta”. O filme de Galvão é o primeiro longa de ficção original da Netflix no país. “A polêmica de Cannes foi assunto de reflexão entre os curadores de Gramado. Nosso consenso foi apostar na ousadia e nas transformações que estamos vivendo na contemporaneidade do audiovisual mundial”, afirma Santuário.</CS>